Os primeiros cartões de pagamento surgiram nos Estados Unidos em 1949 e, de lá para cá, muita coisa mudou. No Brasil, tive a oportunidade de ser precursor dos cartões pré-pagos e, há mais de 15 anos, acompanho de perto a indústria de cartões pelo lado do emissor. Nesse período, estivemos à frente de praticamente todas as inovações das grandes bandeiras.
Hoje, parece natural pagar com cartão virtual, gerar tokens, usar o relógio para compras ou até passar em catracas com aproximação. Mas é bom lembrar: há apenas nove anos, muitas dessas facilidades ainda não existiam.
De volta ao Brasil: no final de 2020 tive a honra de realizar a primeira transação Pix em produção — sim, estive lá quando tudo começou. Será que, se eu for aos EUA, o Trump vai me prender por “ameaçar” a indústria de cartões?
O fato é que o Pix revolucionou o mercado brasileiro em pouquíssimo tempo. Em 2024, ele movimentou mais de R$ 26 trilhões, superando em volume as operações feitas com cartões de crédito e débito somados. Hoje, mais de 60% da população já usa o Pix regularmente, tornando-o não só o principal meio de pagamento, mas também um símbolo de inclusão financeira.
Essa mudança também se conecta ao avanço do Open Finance e da iniciação de pagamentos, que abriram espaço para modelos mais simples, competitivos e inovadores. É natural que esse sucesso desperte certo incômodo: o Pix já atraiu atenção internacional, e até nos EUA muitos brasileiros estão usando o sistema para pagar compras em viagem.
Com esse cenário de crescimento acelerado, chegamos agora à sua próxima evolução: o Pix Parcelado.
O Pix Parcelado, que tem previsão de ser lançado no final deste ano (2025) é simples: quem paga escolhe dividir a compra em parcelas no aplicativo do banco, enquanto quem recebe vê o valor integral cair na hora. Tudo com uma chave Pix, um QR Code ou até mesmo um link — fruto do Open Finance e oferecido ao mercado pelos ITPs — sem precisar digitar longos números de cartão ou boletos.
A diferença fundamental está no modelo de liquidação. No cartão, o sistema é “pull”: quem tem os dados inicia a cobrança. No Pix, é “push”: o comando parte sempre do pagador.
Essa lógica muda também a forma como o crédito funciona. No cartão, é o lojista quem financia o prazo, esperando para receber ou pagando para antecipar. No Pix Parcelado, o crédito é assumido diretamente por quem escolhe parcelar — ou seja, o próprio pagador.
Os EUA têm razão em atacar o Pix?
Pouca gente lá fora sabe, mas o Brasil tem um diferencial único: o crédito embutido nos cartões. Aqui, parcelamentos e prazos fazem parte do dia a dia. Nos EUA, os cartões oferecem apenas um “grace period” — aquele prazo sem juros até a fatura —, mas não existe o famoso parcelamento “sem juros” que virou quase uma instituição no Brasil. Isso dá ao consumidor brasileiro uma vantagem enorme.
Outro detalhe: o cartão pode ser usado offline, sem precisar de conexão. Uma comodidade que ainda faz diferença em muitos lugares.
E claro, os cartões continuam fortes: oferecem milhagens e pontos, um sistema de contestação (chargeback) maduro contra fraudes e, acima de tudo, aceitação internacional ampla — fundamental para viagens e compras fora do país.
Ou seja, mesmo com todas essas vantagens, não há motivo para ver o Pix como inimigo. O que o Brasil mostrou é que dá para inovar e complementar o sistema. Atacar o Pix, nesse contexto, soa menos como proteção e mais como medo de aprender com quem está na frente.
As empresas americanas já estão surfando a onda do Pix.
Participo de várias feiras internacionais e percebo que a suposta “perseguição” ao sistema não condiz com a realidade: lá fora, o Pix é visto como modelo de inovação, um exemplo de como o Brasil está apontando o caminho para o futuro do dinheiro.
O sucesso foi tão grande que chegou a ofuscar o Drex, que deveria ser o sistema instantâneo da moeda digital do Banco Central.
A Visa entendeu rápido e lançou a Visa Conecta. Outras gigantes também já entraram nesse movimento: a Amazon oferece parcelamento via Pix, a Uber aceita Pix desde 2022 e até o WhatsApp adicionou a opção de pagar empresas direto no chat.
No fim, o Pix não é rival dos cartões — é aliado.
Chegou a hora dos estrangeiros pararem de enxergar ameaça e começarem a pegar o bonde que já está em movimento. Países da América do Sul, Europa e da Ásia já cooperam com o Brasil para criar seus próprios sistemas de pagamentos instantâneos, inspirados no nosso modelo.
Porque o Brasil não apenas inovou: o Brasil mostrou ao mundo que é possível construir um dinheiro digital mais justo, rápido e inteligente. E quem insistir em tratar o Pix como inimigo pode acabar descobrindo, em breve, que o futuro do dinheiro já fala português.